Sobre a decepção, a dor que ela
causa e seu efeito libertador.
Infelizmente, nós seres humanos
temos a tendência de empregar termos sem realmente refletir sobre seu
significado. E é assim que damos uma conotação positiva ou negativa a
determinadas palavras, sem que verifiquemos se essa conotação é adequada ou
não. O problema é que palavras nunca são inofensivas, já que as que usamos e
escutamos influenciam nossa forma de agir, de pensar e de ver o mundo à nossa
volta. Nosso estado de espírito e nossa postura em relação à vida influenciam
nosso vocabulário, mas a recíproca é verdadeira: o uso de um vocabulário
carregado de palavras “negativas” gera normalmente, mesmo que não se perceba,
uma postura igualmente negativa em relação à vida. Vários estudos1 sobre o
cérebro humano constataram que não somente nossa cabeça influencia nossas
atitudes, mas também que nossas atitudes influenciam nossa mente. E isso vale
igualmente para as palavras que usamos e torna importantíssimo escolher e
empregar conscientemente as palavras que falamos ou escrevemos e filtrar com
atenção as palavras que escutamos. Temos que ter cuidado especial porque temos
também a tendência de confundir o que é agradável com bom e o que é
desagradável com ruim, o que é um equívoco claro. O parto de uma criança, por
exemplo, pode ser uma experiência desagradável para a mãe, já que é não
raramente acompanhada de dor e muito esforço físico e psíquico. Todavia somos
unânimes de que o nascimento de uma criança é uma coisa boa. Bom, nesse exemplo
é facilmente perceptível que o desagradável não tem que ser necessariamente
ruim, mas isso nem sempre é fácil de se reconhecer em inúmeras situações
cotidianas, fazendo com que alimentemos diariamente essa confusão
terminológica, trocando as bolas e atribuindo uma conotação negativa a algo bom
só por ser desagradável, como é o caso da DECEPÇÃO.
É natural que fiquemos tristes,
frustrados, desapontados ou até irados quando somos decepcionados… Sofrer uma
decepção é uma experiência desagradável, às vezes até extremamente dolorosa,
principalmente quando nos decepcionamos com alguém próximo, com quem temos uma
relação mais estreita. Mas a decepção é uma coisa ruim? Não, não é. Pelo
contrário: decepcionar-se é uma coisa boa, importante para o amadurecimento
humano, já que se decepcionar significa perder a ilusão em relação alguém ou
alguma coisa, quando algo inesperado destrói nossas expectativas. A palavra
“DECEPÇÃO” vem do latim deceptio, que significa engano ou dolo. Ou seja, quando
decepcionamos alguém, o enganamos, quando nos decepcionamos, fomos enganados ou
enganamos a nós mesmos. Agora responda: não é bom se livrar de um engano, de
uma ilusão, de uma farsa, de algo que achávamos que era de uma forma, mas que na
verdade sempre foi diferente?
A intensidade de uma decepção
depende de dois fatores: do tamanho das expectativas e do tempo que durou o
engano, a ilusão. Portanto, quanto menos se espera e quanto menos demorar o
engano, menor o sofrimento. E vale o contrário: se você não aprender a domar
suas expectativas, deixando-as crescer cada vez mais, você só alimentará a
ilusão, prolongando-a e aumentando o sofrimento na hora que você perceber que
estava sendo enganado (talvez por você mesmo?).
Imagine, por exemplo, você indo
para uma festa. É claro que você espera que a festa seja boa, senão você nem
iria. Se a festa no final não for lá essas coisas, talvez você fique um pouco
decepcionado. Mas se você for além disso, indo à festa com a expectativa de que
será a melhor festa de toda sua vida, talvez a melhor festa do mundo, a
decepção aqui pré-programada será bem maior, já que o tamanho da decepção está
diretamente ligado ao tanto que você espera.
Uma pessoa decepcionada reage de
acordo com o princípio “fui enganada!”, mas normalmente a “culpa” nem é
(somente) do outro. Nós é que insistimos em ver algo como queremos ver, criando
nossa própria realidade de forma conveniente para nós. Um bom exemplo é quando
nos apaixonamos e vemos tudo de forma colorida, sem questionar e sem ver as
coisas como são, projetando no outro aquilo que queremos e confundindo a ilusão
da paixão com a realidade. Quando a paixão passa e vemos quem o outro é de
verdade, ficamos decepcionados e nos sentimos enganados, o que é legítimo e
compreensível, mas é importante se perguntar: enganado por quem? Pelo outro ou
por nós mesmos? É importante entender que você mesmo é responsável pelas
decepções que você vive. É claro que há pessoas dissimuladas, que fingem ser
algo que não são, enganando de propósito, mas também aqui vale: essas pessoas
só irão lhe enganar se você permitir. Não podemos responsabilizar outras pessoas
por nossa ingenuidade e nossas falsas expectativas.
Creio que uma decepção nunca vem
de surpresa. Ela vai se manifestando já com antecedência, os sinais são claros,
mas nós, por preferimos sempre o caminho mais fácil e evitarmos quase
patologicamente o que é desagradável, ignoramos esses sinais, alimentando a
ilusão e aumentando a altura do tombo na hora da percepção da realidade como
ela é. Uma pessoa não decepciona uma outra da noite para o dia. Normalmente seu
comportamento já mostra cedo que ela não é bem assim como acreditamos, mas nós
nos negamos a reconhecer isso, pois é bem mais confortável crer que as coisas
são como nós gostaríamos que fossem. E é assim com aquele “bom” amigo ou aquela
“boa” amiga, que de repente nos mostra que a amizade não era tão forte assim,
ou pior ainda: que falta profundamente com o respeito, que nos machuca, que nos
faz sofrer, que nos decepciona… Como estávamos iludidos e aparentemente felizes
e satisfeitos com essa ilusão, acreditamos que o comportamento questionável
dessa pessoa veio de repente e que a amizade acabou de uma hora para outra, mas
isso não é correto, já que ninguém muda seu comportamento ou sua postura da
noite para o dia e uma amizade que termina de uma hora para outra na verdade
nunca existiu.
Antigamente, eu sofria quando
alguém me decepcionava (= não correspondia às minhas expectativas, não agia da
forma que eu esperava), até que um dia percebi o equívoco que causava esse
sofrimento: a definição errônea de decepção como algo ruim por ser
desagradável. Desde que sei disso, procuro esperar o mínimo possível das
pessoas e dos acontecimentos em minha vida, tento ver as pessoas e as coisas
como elas realmente são e procuro não alimentar ilusões. Hoje em dia, quando,
por exemplo, um amigo me decepciona fortemente, tenho consciência de que isso
apenas ocorreu devido às minhas expectativas altas (repetindo: quanto mais
altas as expectativas, maior a decepção!) e porque não vi a coisa como
realmente era. Fico feliz de ter percebido o engano (quanto mais cedo melhor!)
e procuro corrigir a minha visão, me libertando de uma ilusão que, no fundo,
não me fazia bem. Cresço com isso, procurando não guardar mágoas, já que no
fundo sou grato por ter tido a chance de perceber que a realidade era bem
diferente daquilo que eu acreditava ou queria acreditar, tendo consciência de ser
eu mesmo responsável pelas minhas expectativas. Isso liberta, isso purifica as
relações e isso é uma coisa boa!
Portanto, sempre que você sofrer
uma decepção, permita-se sentir dor e tristeza, aceite a frustração, mas não
deixe de ver o outro lado da moeda: o lado da desilusão, do desencantamento, do
fim do engano, da retomada da realidade. A sobriedade disso resultante, por
mais desagradável que seja, irá lhe fazer crescer, irá lhe libertar de
devaneios, de enganos dos sentidos ou da mente e lhe permitirá compreender que
a realidade, mesmo que amarga, é sempre melhor que qualquer doce ilusão.
Gustl Rosenkranz
Muito bom seu texto! É exatamente assim, mas é super difícil conseguir enxergar a decepção por este angulo! A dor não nos permite ver de outra forma que não seja depositar no outro a culpa. Mas lendo este texto tudo fica mais leve, pois é entendível onde está nossas falhas para que possamos trabalhar este lado. Parabéns!!
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