Fabíola Simões
Em meados dos
anos 80, lá em Minas, o costume era comprar leite na porta de casa, trazido
pela carroça do leiteiro, que vinha gritando “Ó o lêeeeeite!!!”.
Minha mãe corria
porta afora e o leite fresquinho, gorduroso e integral era despejado na
leiteira para nosso consumo. Porém, era um leite impuro, não pasteurizado, e
necessitava ser fervido antes de consumir.
No início, minha
mãe tinha um ritual no mínimo interessante para esse evento: Colocava o leite na
fervura e saía de perto. Literalmente esquecia. Simplesmente I.g.n.o.r.a.v.a.
É claro que o
leite fervia, subia canecão acima e despencava fogão abaixo. Eu era criança, e
quando via a conclusão do projeto, gritava: “Mãe!!! O leite ferveu!!! Tá
secaaaannndo…” e ela vinha correndo, apavorada, soltando frases do tipo “Seja
tudo pelo amor de Deus…” e desandava a limpar o fogão, o canecão, e ver o que
sobrou do leite pra tudo se repetir no dia seguinte, tradicionalmente.
Até hoje não
entendo o porquê desta técnica. Parecia combinado, tamanha precisão com que
ocorria. Mais tarde, ela mudou de estratégia. Eu já era maiorzinha e podia
ficar perto do fogo. Assim, ficava ao lado do fogão, de olho no leite
esquentando pra desligar assim que a espuma subisse, impedindo que
transbordasse. Foi assim que aprendi uma grande lição:
O leite só ferve
quando você sai de perto.
Não adianta
ficar sentada ao lado do fogão, fingir que não está ligando; até pegar um livro
pra se distrair. É batata: ele não ferve. Parece existir um radar sinalizador
capaz de dotar o leite de perspicácia e estratégia. Porque também não basta se
afastar fingindo que não está nem aí. O leite percebe que é só uma estratégia.
E só vai ferver (e transbordar) se você esquecer DE FATO.
A vida gosta de
surpresas e obedece à “lei do leite que transborda”: Aquilo que você espera
acontecer não vai acontecer enquanto você continuar esperando.
Antigamente o
sofrimento era ficar em casa aguardando o telefone tocar. Não tocava. Então,
pra disfarçar, a gente saía, fingia que não estava nem aí (no fundo estava),
até deixava alguém de plantão. Também não tocava. Porém, quando realmente nos
desligávamos, a coisa fluía, o leite fervia, a vida caminhava.
Hoje, ninguém
fica em casa por um telefonema, mas piorou. Tem email, msn, facebook, whatsApp,
e por aí vai. O celular sempre à mão, a neurose andando com você pra todo
canto. E o leite não ferve…
Acontece também
de você se esmerar na aparência com esperança de esbarrar no grande amor, na
fulana que te desprezou, no canalha que te quer como amiga. Então ajeita o
cabelo, dá um jeito pra maquiagem parecer linda e casual, capricha no perfume…
e com isso faz as chances de encontrá-lo(a) na esquina despencarem. Esqueça
baby. O grande amor, a fulaninha ou o canalha estão predestinados a cruzarem
seu caminho nos dias de cabelo ruim, roupa esquisita e vegetal no cantinho do
sorriso.
Do mesmo modo,
se quiser engravidar, pare de desejar. Não contabilize seu período fértil e
desista de armar estratégias pro destino. Continue praticando esportes
radicais, indo à balada, correndo maratonas. Na hora que ignorar de verdade,
dará positivo.
A vida como o
leite não está nem aí pra sua pressa, pro seu momento, pra sua decisão. Por
isso você tem que aprender a confiar. A relaxar. A tolerar as demoras. A não
criar expectativas. A fazer como minha mãe: I.g.n.o.r.a.r…
E lembre-se: Tem
gente que prefere ser lagarta a borboleta. Sem paciência com os ciclos, destrói
seu casulo antes do tempo e não aprende a voar…
Linda mensagem...verdadeira...já percebi isso!!!
ResponderExcluirMaravilha, q ótimo q percebeu Dayse. Beijos
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